O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

domingo, dezembro 23, 2001

Da dualidade do ser ao bem e o mal, começam todas as separações, divisões e lutas. Só agora começamos a admitir que a inteligência tem duas vertentes complementares a que correspondem os dois hemisférios interligados! Este é o grande avanço da ciência porque nos aproxima do que sempre foi apanágio da verdadeira Sabedoria e o que ela essencialmente representava para os egípcios e até a Génese é um anunciado dos Mistérios de forma simbólica, para divulgação do Conhecimento Ontológico, pressupondo uma iniciação ou uma experiência real, não só subjectiva, mas interior e comum a todos os indivíduos desde que a isso se predisponham... Tudo começou, para nós, no Adão e Eva que são meros símbolos que representam princípios ou arquétipos, e que o vulgo tomou à letra...e ainda hoje a grande maioria dos católicos pensa assim: que o mundo começou com um casal feito do barro e a Eva tirada de uma costela...ou pior ainda que a Eva pecou. E o que isso não pesa ainda sobre a mulher! Tínhamos de usar véu como sinal de impureza ou não merecimento diante de Deus Pai e os pais vendiam-nos como vacas e matavam e matam ainda a mulher infiel à pedrada, já lá vão mais de dois mil anos. E o que é que mudou para a mulher? Pouco ou nada, embora aparentemente tudo tenha mudado. Mas tem a mulher consciência de si mesma como indivíduo, independentemente da sua função como mãe e esposa ou apenas acrescentou à sua vida uma profissão que ainda a aliena mais de si própria dando-lhe a ilusão de que é independente quando apenas aumenta a sua carga laboral com tudo o resto às costas? Serão a mulher e o homem iguais ou diferentes ou não sendo mais nem menos quer dizer que somos iguais e temos os mesmos direitos? É isso real? Ambos precisamos uns dos outros, mas cada um diferente e individual, numa interacção e não na dependência como acontece nas relações. O que quero salientar aqui é que o homem sempre foi um indivíduo e a mulher não. É, por assim dizer, aglutinada ao homem, dependente em todos os aspectos e sobretudo emocionalmente. E nos países africanos ou árabes? É não só aglutinada mas escrava e proibida de expressão, amputada sexualmente, fechada em casa. A mulher europeia pode agora ter amantes mas continua prisioneira emocionalmente como se não tivesse existência própria e fosse o homem a sua coluna vertebral, como se não tivesse verticalidade. Dizem que sou exagerada? Não são assim as mulheres?
A mulher, para além de ser mãe, devia como mulher iniciar o homem tanto no amor como consequentemente revelar-lhe a sua ânima, porque a mulher é ontologicamente a mediadora entre o céu e a terra e da mesma maneira que dá à luz a criança também inicia no amor e o leva à realização do Si ou à sua totalidade. Isto de acordo com a linha matrilínia e o culto da Deusa! O que não é o caso em relação à Génese do catolicismo que tudo fez para fazer esquecer esse papel e a importância da mulher, reduzindo-a penas a “mãe”-esposa ou prostitut! Mas esta é uma história remota em consequência da qual aconteceu a sobrevalorização da sexualidade como reacção à sua interdição durante alguns séculos, a partir do dogma religioso e todos os conceitos de pecado. Se por um lado Freud “desmontou” muitos desses conceitos, também nos projectou por outro lado para a obsessão da sexualidade ao induzir a ideia de que todos os nossos traumas passavam pelo sexo e a sua repressão. Assim com o decorrer das décadas, foi-se de um extremo a outro. Não será tempo de equilibrarmos vivências e conceitos? Tirando C. Yung, todas as pesquisas posteriores relacionada com a psicanálise e a sexologia, poucas respostas trouxeram para a questão do ser na sua totalidade e de certo modo caiu-se numa sexualização do ser como se fosse a única dimensão humana. Foi, principalmente, na má literatura e no mau cinema, que se desencadeou uma espécie de revolução sexual-mental, na perspectiva única do homem, claro. Passamos do romantismo exacerbado, do lirismo, a um erotismo mais libertino que verdadeiramente erótico e dai à proliferação da pornografia da mais variada (intitulada de realismo?) à falta de toda a ética ou estética; da sacralização da mulher e da Musa, fez-se quase a apologia em defesa da mulher libertina e do Amor quase sagrado, passámos ao “o Amor é Fodido”. Empolou-se de tal forma a importância da sexualidade que o homem passou a ser “ Homo-Sexualis “ em vez de Homo-Sapiens... Deixou de se pensar no ser tridimensional (corpo-alma-espírito), para ser só mental e sexual.
De certo há grandes equívocos que só aumentam a nossa separação e solidão. Vivemos a grande confusão da linguagem porque sem alma nem ressonância vibratória; debatem-se conceitos contra preconceitos e a diferença entre as teorias e realidade é abissal: vivemos a alma das coisas, a alma do corpo, mas não a alma que une o espírito, porque o feminino tanto no homem como na mulher, é denegrido, ou invertido! Vivemos em suma a grande confusão de conceitos sem acesso ao divino, ou àquilo que nos transcende! Caímos no obscurantismo da razão por não termos acesso `a Luz que ilumina o Espírito que só é possível no Amor-União dos dois lados de cada ser de que o casamento humano é mero reflexo! O princípio Feminino e Masculino como pólos opostos de uma realização a consumar, dentro e fora de nós. É este o principio da Grande Obra, a Alquimia da vida . É esta dinâmica , no indivíduo e na relação que tem de ser integrada e os dois em um, dentro e fora , digo o interior e o exterior na mesma sublimidade. Não se trata de “sublimação”, no sentido da negação do sexo ou do prazer sexual, mas da elevação da mesma, vivendo a sensualidade ao nível do corpo, da alma e do espírito, porque não há prazer maior do que o sentir o ser na totalidade, e não pensar que o orgasmo nos leva a união só pelo sexo. Se assim fosse a “prostituição” ou a divisão da mulher em duas não faria sentido!
Temos de devolver à mulher a sua “sacralidade” e ao homem a dignidade . Para isso tem a mulher em primeiro lugar de tomar consciência do seu próprio valor intrínseco, despertar para a sua plena intuição e responsabilidade, tem de recuperar a VOZ do Útero... não deixar que a calem mais nem que lhe tirem o útero como coisa inútil depois de Ter tido os filhos; tem de deixar de ser a Atena saída da cabeça do Pai, o velho Zeus... A mulher tem de voltar a ser Senhora de si mesma e integrar as três mulheres que representa, assumir todas as facetas do seu ser profundo, unir a jovem a mãe e a velha, a deusa tríplice da antiguidade a mesma dos Mistérios Eleusianos, a Grande Deusa que foi venerada durante milénios na Grécia e não só e de que o culto Mariano é uma reminiscência. Nossa Senhora de Fátima ou Yémanjá... de Portugal a África, à Índia e ao Brasil, ao Egipto, o mesmo princípio, a mesma Fé ou consciência do princípio maternal ou Matriz de vida. Ou a importância da Manifestação...a importância da Mãe como geradora e alimentadora da vida! Para além do domínio patriarcal e o imperativo do falo, existe a mãe fonte de alimento e abrigo, energia centrípeta, primeiro registo tanto para a mulher como para o homem , mas para que o homem dominasse e vencesse o seu medo do abismo que para ele a mulher é, era preciso abandonar Ariana ou matar cobardemente a amazona como Aquiles, ou matar a Medeia como fez Perseu; era preciso desviar a mãe da filha, dividir a mulher, entre a santa e a prostituta, condenar Cassandra ao descrédito! Para que Apolo vencesse Cibele e o culto da Deusa-Mãe fosse substituído pelo de Deus-Pai. Mais tarde os cristãos, cuja misogenia vem de longe, dividiram a mulher entre a “mãe” venerada até ao altar e instituíram a prostituta, uma ideia degenerada da sacerdotisa do amor em vários cultos considerados pagãos e cuja divisão se mantém nos nossos dias de maneira diversificada ou subtil e da qual partem e derivam quase todos os romances e é essa separação que mantém ainda viva “a mais velha profissão do mundo”. Desse modo as mulheres sempre se odiaram e mantêm essa luta nas mais ínfimas circunstâncias de competição feminina. A mulher “séria” olha para a prostituta de soslaio... Assim como a própria filha se antagoniza com a mãe e vice-versa de forma “normalmente” inconsciente, e com algumas excepções à regra. Para além dos dois princípios sempre em luta para um equilíbrio que ainda não se estabeleceu, apesar das aparências tenderem a iludir-nos de que isso já aconteceu nos países ditos civilizados. E eu pergunto-me quais são esses países, se ate o nosso que é pequenino (e orgulhoso!), já tem tráfico de mulheres estrangeiras, mais pobres do que nós... Esta luta de princípios que o ser humano reflecte na luta dos sexos é o próprio princípio da manifestação da matéria. Dai que toda a manifestação seja sexualizada: luta de opostos ou contrários, atracção e repulsão...e de que nós ainda somos escravos. Se equacionarmos isto com alguma simplicidade e naturalidade os problemas inerentes aos sexos e as suas variantes deixarão de Ter uma carga tão dramática ou pejorativa, deixarão de ser cavalos de batalha ou estandartes de guerra, porque o que está em questão é sempre o ser humano e a sua totalidade e não a sua divisão. O problema do Amor não está no sexo nem em saber qual é o sexo dos anjos...reside isso sim na integridade do indivíduo no caminho da “individuação”. As ambivalências e ambiguidades sexuais, as preferências de cada pessoa, seja qual for o sexo ou género de cada um, é secundário... porque só inteiro o ser se pode equacionar e saber quem é ou do que gosta e de quem gosta um ser humano que se rejeita a si próprio ou desconhece a sua verdadeira identidade? Digo que antes de amarmos quem quer que seja temos de nos amar a nós mesmos . Tudo se processa ao nível das essências e não das aparências. Falo como é óbvio do nosso ser inteiro e não da personalidade ou da máscara que usamos. O único imperativo do novo século é sem sombra de dúvida nem “pecado” uma questão de tomada de Consciência do que é indubitavelmente um Ser Humano! Não há solução de problemas sem primeiro passar por esta questão vital ou essencial, que é o ser humano em si como SER HUMANO.

Rosa Leonor Pedro

1 comentário:

Ná M. disse...
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