O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

terça-feira, maio 28, 2002



nota á margem...

Hoje, numa fotografia da catástrofe ferroviária em Moçambique, no meio de trapos ensaguentados e lixo, via-se uma linda bonequinha loura, branca e diáfana, talvez o sonho dourado de uma pretinha que a agarrava quando morreu.

Hoje, “o tráfico de interesses”, como uma droga alucinante, domina o mundo e os valores de vanguarda e os sentimentos profundos desaparecem para dar lugar ao mundo virtual das imagens estereotipadas e falsas.

Hoje o Tráfico Humano, nomeadamente de mulheres e crianças é mais rentável e com menos riscos do que a droga - ouvi nas notícias da nove...


AINDA AS CARTAS

Dizia eu que tinha saudades destas trocas tão genuinas entre grandes almas, mulheres marcantes de uma determinada época, grandes poetisas, as primeiras do século, que apesar da "prisão" dos maridos e sobrecarga das famílias, conseguiram uma obra demarcada da banalidade o que não acontece nos dias de hoje, em que o embuste, a farsa social e as aparências, contam mais do que os estados de alma e do que as amizades verdadeiras.


“A MORTE É A CURVA DA ESTRADA.
MORRER É SÓ NÃO SER VISTO”

F.Pessoa


Continuação de “Cartas para Além do Tempo”
Do Livro com o mesmo título, de Fernanda de Castro - carta a Cecília Meireles


(...)
Seguiram-se anos difíceis que, de momento a momento, o tempo foi suavizando. As tuas filhas cresceram, encontraram o seu lugar ao Sol.
Tu reencontraste a poesia e um belo dia, anos decorridos, anunciaste o teu próximo casamento com alguém que te deu finalmente a paz, a estabilidade, a alegria que tão longe andava de ti.
O tempo foi andando, andando e, forçosamente, as nossas cartas deixaram de Ter a mesma regularidade pois qualquer de nós tinha agora obrigações sociais, compromissos a que nos obrigavam os cargos oficiais dos nossos respectivos maridos. A amizade, porém, foi sempre a mesma, nunca baixou de temperatura. Os silêncios agora eram maiores, já não sabíamos uma da outra como dantes mas eu lia, com admiração sempre crescente, os livros que me mandavas de longe, a tua fulgurante vida literária. Tu também sabias de mim, dos meus livros, dos meus filhos, das minhas viagens.

Só não te perdoo que não me tenhas dito nada da tua doença. Quiseste poupar-me e afinal só conseguiste tornar maior a minha dor. Foi por um amigo que soube que estavas doente. O meu filho, Fernando, que vivia então no Rio, foi um dia ver-te e tu mandaste-me este recado:
- “Diz à tua mãe que o último livro que li foi a “Ilha da Grande Solidão”, e que gostei muito”.

Poucas semanas depois partiste, deixando atras de ti uma Estrada de Santiago cujas estrelas eram e são, os teus poemas.

P.S. Acabo de reler esta carta. Cheguei ao fim com a sensação de não Ter dado de ti a ideia exacta. Talvez tenhas razão. Tinhas de facto um fundo de melancolia cuja causa, dizias tu, eram as tuas raízes açorianas, a tua insularidade. Mas havia em ti outra faceta, que era o teu espírito irónico e brincalhão que aparecia de repente, sem pedir licença a ninguém. Passavas frequentemente do desânimo ao entusiasmo, da palavra exacta e precisa ao imprevisto e até ao cómico. Tenho na minha frente uma carta verdadeiramente maluca que parece escrita não por um grande, extraordinário poeta, mas por um louco correndo à solta por uma folha de papel, como um cavalo que tivesse tomado o freio nos dentes. (...) (Continua)

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