O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

domingo, outubro 17, 2004


“NIKETCHE
UMA HISTÓRIA DE POLIGAMIA”

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Entro em pânico. Enquanto eu soluço a imagem dança. Paro do soluçar e fico em silêncio para escutar a canção mágica desta dança. É o meu silêncio que escuto. E o meu silêncio dança, fazendo dançar o meu ciúme, a minha solidão, a minha mágoa. A minha cabeça também entra na dança, sinto vertigens. Estarei eu a enlouquecer?

- Porque danças tu, espelho meu?

- Celebro o amor e a vida. Danço sobre a vida e a morte. Danço sobre a tristeza e a solidão. Piso para o fundo da terra todos os males que me torturam. A dança liberta a mente das preocupações do momento. A dança é uma prece. Na dança celebro a vida enquanto aguardo a morte. Porque é que não danças?

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De PAULINA CHIZIANE


Paulina Chiziane, escritora moçambicana de 46 anos, é uma das mais recentes descobertas da literatura lusófona. Há um mês esteve em Portugal num encontro que juntou escritores da língua portuguesa e espanhola. Antes de regressar a Maputo de malas e bagagens - «sempre que venho a Portugal levo 15 kg de livros para mim e para os meus filhos» - o JL entrevistou-a
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JL - A Paulina escreve no feminino?

P.C. - Às vezes é um bocado difícil lidar com essas expressões. Mas pronto, eu escrevo no feminino sim senhor. Porque o mundo afinal é todo feminino ou masculino, até as palavras... Eu à minha maneira tento colocar a visão da mulher nos espaços literários.

JL - Como as protagonistas dos seus livros?

P.C. - Sim, as personagens preferidas dos meus três livros são heroínas. Mulheres que vivem em conflito com o mundo de repressão que as envolve. E eu tento desmistificar que essa repressão não deriva de um sistema colonial ou do imperialismo, mas que afinal de contas é dentro da família que se geram todos os pequenos e grandes mecanismos que reprimem a mulher. Contudo, outro elemento comum aos meus livros e à temática da repressão da mulher é que as personagens femininas não rompem com o espaço vivencial onde vivem, ou seja por mais que sofram com a turbulência do mundo que as oprime, elas não rompem com a sociedade. Ao contrário do feminismo radical que considera que a mulher deve encontrar um espaço de independência em relação à sociedade, nos meus livros a mulher luta por um espaço de liberdade dentro de uma relação de interdependência e complementaridade com o mundo masculino.

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