O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

segunda-feira, outubro 18, 2004



PAULINA CHIZIANE A ESCRITA NO FEMININO
UMA LIÇÃO PARA AS INTELECTUAIS OCIDENTAIS...

DA INICIAÇÃO MASCULINA:

“- A primeira filosofia é: tratar a mulher como tua própria mãe. No momento em que fechares os olhos e mergulhares no seu voo, ela se transforma na tua criadora, a verdadeira mãe de todo o universo. Toda a mulher é a personificação da mãe, quer seja a esposa, a concubina, até mesmo uma mulher de programa. O homem deve agradecer a Deus toda a cor e luz que a mulher lhe dá, porque sem ela ela a vida não existiria. Um homem de verdade não bate na sua mãe, na sua deusa, na sua criadora.”

(...)
DA INICIAÇÃO DA MULHER

“Não ter amor não é sina, é desastre. Aprende bem esta minha lição. O amor é um investimento. Nasce, morre, renasce, como o ciclo do sol. Olha, não diz que não te ensinei. O amor é o pavio aceso, cabe a ti manter a chama. Tudo o resto são truques, minha linda. Técnicas. Artimanhas. Tudo na vida é mortal, tudo se apaga. Se a tua chama se apaga é em ti que está a falta. Faz o que te digo e magia nenhuma te derrubará nesta vida. Tu és feitiço por excelência e não deves procurar mais magia nenhuma. Força. Fraqueza. Salvação. Poerdição. O universo inteiro cabe nas curvas de uma mulher.”


In NIKETCHE uma história de poligamia
De PAULINA CHIZIANE


A beleza da verdade inicial nas palavras de uma africana na sua pureza máxima, longe dos conceitos redutores da sociedade ocidental e a sua “arte e literatura” masculina, em que a mulher é reduzida a um instrumento de alienação e desprezada...
Eis um excerto de uma entrevista da escritora moçambicana:

(...)

>A Inocência Mata descreveu-o como um livro femininista. Concorda?

Quando pronuncio a palavra femininista, faço-o entre aspas, porque não quero associar-me às loucuras do mundo. É um livro feminino porque nele exponho a mulher e o seu mundo, embora não seja uma obra onde desafie o estatuto da própria mulher. Isso ajuda a reflectir e a reconhecer afinal quem é a "mulher" com que nós vivemos. É a minha forma de contribuir para a compreensão dessa realidade e, quem sabe, ajudar a definir novos caminhos. Também é uma paixão. Gosto de escrever sobre mulheres. Vou escrever sobre o quê, se não sobre o que sei?! Não sou capaz de ter uma visão assexuada da vida.

>A Paulina escreve no feminino?

-Sou uma mulher e sinto as coisas como mulher que sou. Como é que não hei-de ver as coisas como uma mulher, como é que não hei-de usar as palavras que as mulheres usam? As mulheres quando se juntam têm a sua linguagem própria, a sua visão e a sua maneira singular de expressar as coisas. Por exemplo, numa ilha no sul de Moçambique as mulheres quando se cruzam com outras mulheres, saúdam-se de forma quase ritual e ficam ali uns bons quinze minutos a fazê-lo. O homem, normalmente pescador, quando encontra um amigo diz "bom dia" e o outro responde "Yhaaa". E acabou. Cada um vai para o seu lado. As palavras e as expressões dum e doutro mundo (masculino e feminino) são efectivamente diferentes.
(...)
Todas as mulheres do livro que tentaram demonstrar a sua insatisfação perante a vida que levavam acabaram por ser punidas. Passa-se o mesmo na vida real?
Toda a mulher que luta por uma mudança é sempre punida e esse é, efectivamente, o mundo real que descrevo.
(...)
>A sociedade moçambicana reprime as mulheres?

Digamos que sim, mas não podemos olhar para o país como um todo nesta matéria. Temos as regiões do sul e do centro, que são regiões patriarcais por excelência. O norte já tem características diferentes. É uma região matriarcal, onde as mulheres têm outras liberdades. Acho que Gaza, província de onde sou oriunda, é a região mais machista de Moçambique. Uma mulher, além de cozinhar e lavar, para servir uma refeição ao marido tem de o fazer de joelhos. Quando o marido a chama, ela não pode responder de pé. Tem que largar tudo o que está a fazer, chegar diante do marido e dizer "estou aqui". Há pouco tempo um jornalista denunciou um professor de Gaza. Nas aulas quando fazia uma pergunta os rapazes respondiam de pé, mas obrigava as meninas a responderem de joelhos. Quando as alunas íam ao quadro, tinham que caminhar de joelhos e só quando lá chegavam é que se punham de pé. O professor foi criticado e prometeu mudar. Mas para a comunidade ele estava a agir correctamente.

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