O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, outubro 29, 2009

SÃO AS MULHERES QUE DÃO CARTAS…


(MESMO QUANDO NÃO SABEM DA DEUSA DENTRO DE SI…ou a negam...)


Literatura

Opinião: Sobre Caim, por Pilar del Río

A jornalista Pilar del Río, casada com José Saramago, escreve hoje no DN sobre o novo livro do Nobel da Literatura português que tem causado polémica na sociedade portuguesa

Sobre Caim

Li várias vezes, traduzi-o inclusive para castelhano, o último romance de José Saramago, Caim, uma fábula humana, tão humana que pensei que iria provocar perguntas humanas. Para minha surpresa, tal não ocorreu. De imediato, uma parte da sociedade começou a falar de Deus e da Bíblia, corrente de ar fresco que se agradece se tivermos em conta o teor de outras polémicas, mas ninguém assinalou o que do meu ponto de vista é essencial neste livro: que o género humano não é de fiar. Sim, os seres racionais, os que levantam edifícios, constroem pontes e compõem sinfonias, esses mesmos que declaram guerras por um território, por um capricho, por uma bandeira ou por um Deus nasceram loucos e loucos continuam a viver tantos milénios depois de Adão e Eva ou do Big Bang, chame-lhe cada um o que queira. Só a gente sem sentido se pode atribuir a autoria das fábulas religiosas que povoam a terra até aos dias de hoje, porque todas as civilizações se organizam em volta de uma divindade e todas elas se baseiam no sacrifício e no sangue. Se é verdade que em Creta o ritual levava donzelas virgens ao minotauro, e que as civilizações pré-colombinas realizavam sacrifícios humanos para aplacar a ira dos deuses, como tantos povos africanos, o ranking da exigência sacrificial é ganho pela religião que apresenta o seu próprio Deus executado numa cruz após ter padecido terríveis torturas que o levaram até a suar sangue.

Que atracção mórbida têm os homens para inventar, ao longo dos tempos, religiões terríveis a que logo se escravizam? Que paixão aturdiu a humanidade levando--a a impor-se a si mesma códigos e proibições canalhas, ameaçar-se com fogos eternos, condenar-se absurdamente por toda a vida, centrar a existência em tabus alheios ao sentido comum e fazer de normas desumanas guias de conduta e de condenação? Sim: os chamados seres racionais estão loucos, por isso talvez não mereçam a existência. Essa é, em meu entender, a síntese do romance de Saramago, uma perplexidade que se afirmou em cada leitura: Não somos de fiar, Caim tinha razão ao executar o seu plano se nós, seres humanos, somos tão cruéis, tão maus, tão aborrecíveis, que quando queremos inventar um ser superior temos que o carregar de sangue, ódio, morte, renúncia, sacrifício. O rancor do Deus da Bíblia é o rancor que os humanos inventaram, dado que foram os seres humanos que propuseram as diferentes figuras divinas. E a crueldade, a velhacaria, o ardor guerreiro e o espírito de vingança são construções humanas a que se deu corpo legal e religioso para, de seguida, submeter-se com uma ligeireza insuportável. "Escravos de um Deus fictício" escreveu alguém, e é verdade: seja no Islão, nas religiões africanas ou ameríndias, no judaísmo, no cristianismo nas suas distintas variantes ou noutras confissões, em todas estão os códigos e o pecado, numas impõem burkas, noutras proíbem fazer o amor sem passar por um altar, e lapidam na vida terrena ou condenam à eternidade se se tratam com uma transfusão de sangue ou se investigam com células-mãe. E todas estão convencidas da sua excelência, da sua legítima capacidade para condenar, por exemplo, os homossexuais - todas as religiões têm uma fixação com o sexo, o que demonstra quão humanas são - e todas se sabem e sentem superiores. Nenhuma vê ridículos e fátuos os seus rituais, embora não entenda os dos vizinhos, são bárbaros uns para os outros, nunca amigos, nunca próximos: no universo religioso é onde mais claramente fica demonstrado que os humanos ao longo da sua passagem pelo mundo procuraram sempre motivos para o confronto e que, como ficou dito, a religião é um dos maiores, a par da bandeira e do território, três grandes falácias para dividir uma mesma espécie. Três grandes fraudes.

Deus é de fiar? Deus não existe fora das cabeças dos homens, logo são os homens os que não são de fiar, nem eles nem as suas obras. Filhos de dogmas e preconceitos, herdeiros de tradições sem sentido, de superstições e de medos, os homens não souberam aproveitar a modernidade para combater o descaramento do irracional. Inclusive, o homem ocidental, o que se crê centro do mundo e dono dos melhores conceitos, revolve-se intranquilo se alguém, como Saramago, e não só, questiona supostas verdades reveladas. Isso sim, defende a sua interpretação com ar de superioridade, partindo da certeza de saber-se melhor que outros, que condenam com a fatwa, apenas porque há dois séculos que no Ocidente se acabaram os julgamentos da Inquisição e os anátemas não são queimados na praça pública. Barbárie que continua a existir noutros lugares do mundo, também humanos, estados teocráticos onde povos vivem oprimidos por leis atribuídas a Deus, por lendas e contos escritos, uns após outros, por homens sem misericórida, com o mesmo afã dominador e predador.

O romance de Saramago não é contra Deus. Lamento contrariar os que assim pensam. Saramago, na sua ficção, volta a escrever um ensaio sobre a cegueira, a humana cegueira que, para além de impedir a visão, impede que haja claridade no mundo, que este planeta perdido no universo seja um lugar sem luz e sem outros belos dons que nos fariam mais livres e felizes. Os homens inventaram Deus e agora parece que esperam que o mesmo Deus os salve porque, enfrentando-se entre eles e com os seus medos, não são capazes de desmontar esta rede de artifícios e dizer "já chega" de escravidão e estultícia. Sigamos então por caminhos marcados por lendas, com interpretações simbólicas ou não, mas tenhamos ao menos a decência de atribuir-nos a sua autoria: a de havermos criado a divindade e toda a dor e sacrifício que os deuses supostamente impuseram ao mundo. À imagem e semelhança do ser humano.

in DN Pilar del Rio

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PS

A autora e jornalista ao se identificar com a espécie Homem, (o homem que criou deus à sua imagem e não o ser humano) diz que a "espécie humana não presta", mas ela não sabe que a espécie Homem é que está doente e não presta...as Mulheres-mulheres não estão incluídas nessa espécie porque foram reduzidas a um zero, mas mesmo assim e dentro do Sistema, há vozes de mulheres que se impõem pela sua lucidez...Ventos benéficos que nos vêm de Espanha já que Portugal está completamente adormecido...

rlp


8 comentários:

Anónimo disse...

Deus não existe fora das cabeças dos homens, diz Pilar.

Eu digo que Deus não existe dentro da cabeça de ninguém.



moloi lorasai

Anónimo disse...

Pois é...onde será que ele/ela habita? No coração? confesso que não sei se é uma ideia - onde é que se situa o pensamento? - ou se uma emanência...algo que nos abrange...nos envolve? Aquilo de ser uma experiência dentro de nós, um estado de consciência? Uma vibração ou ressonância magnética? Confesso que não sei onde sinto a Deusa...um enebriamento ou um centro energético abstracto...invisível e intocável...o que será o amor quando o sentimos a inundar-nos...a beleza que transforma o amor que transfifura...tudo figuras de estilo? Ou a inflacção do ego, a alucinação mental? O que é que acha que amor deus é? Um estado alterado ou uma imaginação activa, um estado químico acelerado? Quem toca como toca nesse centro, é a pineal o coração ou a crença a fé etc etc etc...sangue e veias e nervos tudo a andar a roda do mesmo...e o cérebro trabalha os conceitos...o cérebro responde pela informação que tem ao estado que se desenrola consoante as emoções as reacções, o cheiro a visão...olhe a pureza, a visão o que são? Nunca iremos desenrolar racionalmente esta fita...você diz que não é o ADN...nem a quantica...
Serão os nossos duplos? As almas irmãs do outro lado da matéria ou a energia pura a enredar-nos na nossa ignorância terraquea?
Se acha que pode descalçar esta bota...vá!
rosa leonor

Anónimo disse...

Pois é...onde será que ele/ela habita? No coração? confesso que não sei se é uma ideia - onde é que se situa o pensamento? - ou se uma emanência...algo que nos abrange...nos envolve? Aquilo de ser uma experiência dentro de nós, um estado de consciência? Uma vibração ou ressonância magnética? Confesso que não sei onde sinto a Deusa...um enebriamento ou um centro energético abstracto...invisível e intocável...o que será o amor quando o sentimos a inundar-nos...a beleza que transforma o amor que transfifura...tudo figuras de estilo? Ou a inflacção do ego, a alucinação mental? O que é que acha que amor deus é? Um estado alterado ou uma imaginação activa, um estado químico acelerado? Quem toca como toca nesse centro, é a pineal o coração ou a crença a fé etc etc etc...sangue e veias e nervos tudo a andar a roda do mesmo...e o cérebro trabalha os conceitos...o cérebro responde pela informação que tem ao estado que se desenrola consoante as emoções as reacções, o cheiro a visão...olhe a pureza, a visão o que são? Nunca iremos desenrolar racionalmente esta fita...você diz que não é o ADN...nem a quantica...
Serão os nossos duplos? As almas irmãs do outro lado da matéria ou a energia pura a enredar-nos na nossa ignorância terraquea?
Se acha que pode descalçar esta bota...vá!
rosa leonor

Anónimo disse...

o que chamamos cabeça é tão virtual quanto a internet, Isaac Newton sabia disso e denominou SENSORIUM, ao aparelho que cria a nossa realidade virtual de homens e mulheres, sem distinção aqui.

o que não é virtual em nós não é com a cabeça que descobrimos, pois pensando nisso só com a cabeça, que somos virtuais, vamos todos parar no Júlio de Matos daí ou no Pinel do Rio de Janeiro, não tenha dúvida!!!

TODO O CÂNTICO DA NOVA ERA LOUVA A MULTIDIMENSÃO DESTA VIRTUALIDADE, APENAS ISSO E COMO KABIR, ISSO SÓ ME FAZ RIR.

ABRAÇOS de algures,
Moloi Lorasai

Catarina dos Santos disse...

Cara Rosa,

Se é um português que escreve, em "Jangada de Pedra" que Portugal se separa fisicamente de Espanha e navega pelo Atlântico á deriva, como uma nau sem rumo, e se é o mesmo que abala a sociedade de bases religiosas católicas na sua cegueira, nas suas castrações, então estará Portugal adormecido? Ou Portugal é uma ideia de povo tão desuna e diversa, frágil e de fácil questionamento, que gera seres que o indagam e o perguntam sem pudores nacionalistas? E ee isso estar adormecido?

rosaleonor disse...

Olá Catarina:

Bom eu não sei se percebi a sua pergunta ou se foi uma afirmação...Sem dúvida que Saramago é português e é um homem lúcido...mas ele é o primeiro a reconhecer a cegueira colectiva dos portugueses (enfim de todo o mundo).
Por um lado parecemos unidos, mas por outro não confiamos nos outros e arrasamos com qualquer português que ouse ser diferente ou dizer umas verdades que não sejam da sua Biblia...
Parece que não vive em Portugal, não é? Quando se está longe do País sente-se mais a essência de ser português e quer-se a união, mas por cá minha amiga, e penso que é muito nova ainda, o velho do Restelo está vivo...o que seja a forma de pensar atrasada e conservadora que nos mantêm presos às aparências e a querer mostrar ao estrangeiro o que não somos...são os nossos complexos e provincianismo. Isso não há meio de mudar...
De qualquer modo eu não percebi bem o seu ponto de vista nem se estava em desacordo ou a concordar comigo...Diga lá então da sua justiça, se quiser. eu agradeço o seu testemunho e a sua experiência...

rosa leonor

MOLOI LORASAI disse...

DA MINHA JUSTIÇA DIGO QUE REBELDE POR REBELDE EU ME REBLEI CONTRA O MEU PAI, QUE SE PROCLAMAVA ATEU COMO O SARAMAGO. NÃO FUI BATIZADO.
ACREDITARIA MAIS NO SARAMAGO SE NÃO TIVESSE SIDO EDUCADO NA IGREJA CATÓLICA PORTUGUESA, SE NÃO TIVESSE AVÔS E AVÓS CAMPÔNIAS, COM UMA CARGA DE PRECONCEITO ENORME.

SARAMAGO É CEGO PARA ISTO E APONTA A CEGUEIRA DOS OUTROS? VÃO SE LIXAR...

rosaleonor disse...

Pois é, não será que não somos todos cegos a apontar outros cegos?
não é essa a história do Homem?
Afinal qual é o cego que tem razão quanto ao elefante de que cada um toca uma parte?

esqueceu a historinha indiana?

abraço

rosa leonor