O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, maio 28, 2010

O verdadeiro poeta é obsediado pela Deusa...


O Retorno da Deusa

O que é o samadi? É um transe, um orgasmo intelectual, impossível de distinguir de um momento inefavelmente belo, descrito por Dostoievsky, que precede a convulsão epiléptica. Os místicos indianos atingiam-no por vontade através do jejum e da meditação, como o faziam os Essénios e os primeiros cristãos assim como os santos muçulmanos. Com efeito Ramakryshna tinha deixado de ser um poeta e transformou-se num político religioso de psicologia mórbida, dando-se à forma mais refinada do vício solitário que pode ser concebida. Ramprasad nunca permitiu à sua ambição espiritual de o afastar assim da sua devoção à Deusa. Ele tinha mesmo rejeitado a esperança ortodoxa do “não ser” pela absorção mística no Absoluto, como inconciliável com o seu sentido de unicidade do indivíduo criança e amante da Deusa.
(…)
Um dia do Kali Puja ele seguiu a imagem de Kali no Ganges até que as águas se fechassem sobre a sua cabeça. O romântico ocidental encontrou uma ressonância familiar nesta história de devoção de Ramprasad à Kali, mas o citadino ocidental não se deixou apanhar pelo samadi, rejeição pouco cavalheiresca da Deusa. Não existe nenhuma outra maneira de reviver o culto do Deus o Pai, ascético ou epicuriano, autocrítico ou comunista, liberal ou dogmático, capaz de resolver os nossos problemas; eu não prevejo nenhuma mudança para melhor até que tudo NÃO VÁ DE MAL A PIOR. Somente depois de uma completa desorganização política e religiosa é que os desejos reprimidos das raças ocidentais (de acordo com qualquer forma de prática e culto da Deusa que se reporte a uma forma de amor ilimitado no cuidado maternal e a um outro mundo em que a Mãe não esteja ausente) encontrarão enfim a sua satisfação.

Como é que a devíamos então adorar? No seu primeiro poema “a Primavera” Donne, já dava uma resposta à questão. Ele sabia que a Primavera era dedicada à Musa e que o “número misterioso das suas pétalas” se aplicava às mulheres. Podia ele adorar um capricho da natureza de quatro pétalas ou seis pétalas, uma deusa que tenha sido mais ou menos uma verdadeira mulher? Ele escolheu a forma de cinco pétalas e provou pela ciência dos números que uma mulher que atrai impõe completamente o seu domínio ao homem. Mas dizia-se da Deusa coroada de lótus nos mistérios coríntios: “o seu serviço é a libertação perfeita” muito tempo antes da frase ser aplicada ao Deus Pai; com efeito, a sua tradição nunca foi de condicionamento mas sempre o de dar e oferecer os seus favores de acordo com a forma como os seus filhos e amantes vinham a ela trazendo nas suas mãos, os presentes mais adequados (presentes escolhidos por eles e não segundo a sua ordem). Ela deve ser adorada na sua antiga imagem quíntupla, quer dizer quando se contam as pétalas do lótus na Primavera, Iniciação, Consumação, Repouso e Morte.
(...)
A prática da verdadeira poesia reclama um espírito miraculosamente desperto e capaz de, por iluminação, juntar as palavras, através de uma cadeia mais-que-coincidência, numa entidade viva, um poema que vai viver por si mesmo, talvez por séculos depois da morte do seu autor, cativando os seus leitores pela carga de magia que ele contem. Porque em poesia a fonte do poder criativo não é a inteligência científica mas a inspiração (mesmo que esta possa ser explicada pelos cientistas) não é através da Musa lunar, o termo mais antigo e o mais adequado para designar esta fonte de inspiração na Europa, à qual a devamos atribuir?

Pela tradicional veneração da Deusa Branca ela torna-se uma com a sua representante humana, sacerdotisa, profetisa, ou rainha–mãe. Nenhum poeta que exalte a Musa pode experimentar conscientemente a existência senão na sua experiência do feminino pois temos de considerar que é na mulher que reside a deusa seja em que grau for; exactamente como nenhum poeta apolinio pode exercer a sua função própria se ele não se submeter a uma monarquia ou a uma quase monarquia. Um poeta que exalte a musa abandona-se absolutamente ao amor e a mulher que ele ama na vida real é para ele a encarnação da Musa. (…)


Mas o verdadeiro poeta, perpetuamente obsediado pela Musa, faz a distinção entre a Deusa na qual ele reconhece o poder supremo, a glória da sabedoria no amor de uma mulher, e a mulher indivíduo que a Deusa pode tornar seu instrumento por um mês, um ano, sete anos ou mesmo mais. O que é próprio da Deusa fica; e talvez o seu poeta tenha de novo a possibilidade de a reconhecer através da experiência que possa vir a ter de uma outra mulher "

ROBERT GRAVES - LES MYTES CELTES ET LA DÉESSE BLANCHE
IN Ed. du Rocher

2 comentários:

MOLOI LORASAI disse...

o samadhi não é intelectual isso é para confundir para banalizar?

rosaleonor disse...

vou verificar o que você perguntar e à partida estou de acordo consigo...
abraço amigo...
rleonor