O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sexta-feira, março 16, 2012

A DEUSA DOS PRIMÓRDIOS...


ASHERAH:


A DEUSA ESQUECIDA…


“Este artigo tem por objectivo realizar uma reconstrução da imagem da Deusa Asherah no Antigo Israel, como possibilidade de representação feminina no sagrado. Após a contextualização do processo de elaboração do monoteísmo em Israel, voltamos a um processo anterior, o politeísmo, onde vislumbramos a presença das Deusas e Deuses no contexto cananeu, em especial Asherah, para posteriormente identificarmos a relação conflituosa que se estabelece entre os escritos bíblicos e Asherah.
Palavras-chave: Deusa Asherah, Deus Yahweh, politeísmo, monoteísmo, Antigo Israel.

Para a maioria das pessoas que lêem a Bíblia, a ideia de um único Deus de Israel, Yahweh, parece ser clara. No entanto, descobertas arqueológicas das últimas décadas vêm demonstrando que nem sempre foi assim. Nem sempre Yahweh esteve solitário. Antes da ascensão do monoteísmo em Israel, o Deus Yahweh fazia parte de um contexto politeísta onde havia um panteão de Deuses e Deusas, sendo que provavelmente foi adorado ao lado de sua consorte, Asherah.

Reconstruir a presença da Deusa Asherah na vida de mulheres e homens no antigo Israel é um esforço de, a partir de uma perspectiva feminista e de género, trazer elementos que nos ajudem numa maior aproximação do que foram os espaços religiosos e vitais deste povo. Esta reconstrução é algo necessária, uma vez que estamos diante de textos sagrados marcados pelo sistema patriarcal, onde há o domínio do pai e quiriarcal, onde há o domínio do senhor (Gossmann, 1997: 371-374). Sistemas que projectaram historicamente um Deus masculino, legitimando práticas e funções masculinas, com isso silenciando mulheres, suas representações sagradas, tudo aquilo que pudesse lhes garantir espaço e voz. Por isso, faz-se necessária a nossa reflexão voltar a um ponto anterior ao monoteísmo patriarcal, até religiões nas quais uma Deusa era a imagem divina dominante ou então era emparelhada com a imagem masculina de uma forma que tornava a ambas modos equivalentes de aprender o divino (Ruether, 1993: 46).

(…)
Reflectindo sobre os textos bíblicos que mencionam a Deusa Asherah teremos como pano de fundo o contexto que Silvia Schroer tão bem elucida, os/as repatriados/as da Babilónia tinham integrado a questão da culpa de tal maneira que consideravam sobretudo o culto às deusas como motivo da ruína de Israel. Os expoentes deste grupo conseguiram banir de Judá quase completamente o culto às deusas dentro de um século e de apagar, o máximo possível, as memórias dele. Não é por acaso que o culto clandestino à deusa acontece no contexto de proibições misóginas e xenófobas de casamentos mistos. Todas as tentativas que seguem, de integrar a deusa pelo menos na linguagem teológica, são tentativas assentadas dentro do sistema monoteísta (Schroer, 1995:.40).

A partir desta perspectiva, de demonização da Deusa ou das Deusas, tentaremos constatar, nos escritos bíblicos, os impactos e as consequências que tal visão e atitude trouxe para a imagem da Deusa Asherah, que aos poucos passa a se tornar a Deusa proibida, a causa dos males e da ruína de Israel.

A marginalização do feminino, das mulheres é um processo que também se dá e se sustenta por meio de escritos bíblicos justificadores de uma sociedade patriarcal, actuando assim no que podemos chamar de “desempoderamento” das mulheres a partir do sagrado, o que trouxe e traz fortes impactos nas dimensões culturais, religiosas, sociais, económicas e políticas. A seguir, em dois momentos, analisaremos citações bíblicas sobre Asherah. Primeiramente as que mencionam Asherah como Deusa, depois as que aparecem com o nome “poste sagrado”, símbolo da Deusa.

A Deusa Asherah: Há uma preocupação dos redactores bíblicos de excluir qualquer suspeita da Deusa Asherah ao lado de Yahweh, como sua consorte, de tal forma que os escritos bíblicos possivelmente foram redigidos com a intenção de apagar e demonizar a presença da Deusa.
As inúmeras citações sobre Asherah demonstram seu peso no contexto religioso, o que faz dela uma grande ameaça ao monoteísmo javista em ascensão.

(…)
Podemos claramente perceber que a elaboração e instituição do monoteísmo não se deu de forma democrática e muito menos pacífica. A partir de um contexto politeísta, a centralidade em Yahweh é um processo violento, de destruição da cultura religiosa do outro e da outra, de proibição do diferente, demonizando-o e tornando-o uma ameaça. Um processo nítido de intolerância religiosa.

 A supressão do culto e da imagem da Deusa Asherah traz consigo consequências profundas para as relações entre os géneros, afectando em especial aos corpos das mulheres, que tinham na Deusa uma possibilidade de representação do feminino no sagrado. A religião judaica vai se constituindo em torno de um único Deus masculino, legitimando historicamente uma sociedade patriarcal. Este poder divino imaginado somente como Deus afetou as mulheres, as crianças, a natureza, pois quase sempre partiu de um pressuposto de dominação, opressão e hierarquização das relações, tanto humanas como ecológicas.
Afirmar Asherah como Deusa é polémico, mas necessário à religião e à pesquisa bíblica. Dar voz a uma época em que Deuses e Deusas eram adorados, em que o próprio Yahweh foi adorado ao lado de Asherah, nos impulsiona a re-pensar não só as relações pré-estabelecidas entre homens e mulheres, bem como, a própria representação do sagrado estabelecida.

 Re-imaginar o sagrado como Deusa é re-imaginar as relações de poder, não numa tentativa de apagar a presença de Deus e sim de dar espaço ao feminino no sagrado, novamente o feminino não como um atributo do Deus masculino, mas como Deusa.

 Esta talvez seja uma grande contribuição da reflexão feminista, que nos desloca e nos provoca a re-imaginar o sagrado, como possibilidade de re-imaginar a sociedade e as estruturas cristalizadas secularmente."


ASHERAH: THE FORBIDDEN GODDESS

Ana Luisa Alves Cordeiro

Graduanda do Bacharelado em Teologia pela Universidade Católica de Goiás. Assessora do Centro Ecuménico de Estudos Bíblicos (CEBI). Correio electrónico: analuisatri@yahoo.com.br

IN PISTAS DO CAMINHO

1 comentário:

Ná M. disse...

A Deusa trás beleza.. onde mais se lembrar dela mais bonito estará.....