O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, fevereiro 14, 2013

O PREDADOR...


Acelerar a Anlage...

Nós todos nascemos anlagen, como o potencial no núcleo de uma célula: em biologia, a Anlage é a parte da célula caracterizada como “aquilo que se tornará”. Dentro da Anlage está a substância fundamental que, com o tempo, irá se desenvolver fazendo com que nos tornemos uma pessoa inteira.

Portanto, nossas vidas, enquanto mulheres, consistem em acelerar a Anlage. O conto do Barba-azul fala do despertar e da educação desse núcleo psíquico, dessa célula luminosa. Em prol dessa educação, a irmã mais nova concorda em se casar com uma força que ela acredita ser muito distinta. O casamento nos contos de fadas simboliza a procura de um novo status, o desdobramento de uma nova camada da psique. No entanto, a jovem esposa se iludiu. A princípio, ela sentia medo do Barba- azul. Estava desconfiada. Um pouco de diversão no bosque faz com que ela descarte essa intuição. Quase todas as mulheres já passaram por essa experiência pelo menos uma vez. Conseqüentemente, ela se convence de que o Barba-azul não é perigoso, mas só excêntrico e cheio de idiossincrasias. Como sou boba! Por que me repugna tanto aquela barbinha azul? Sua natureza selvagem, porém, já farejou a situação e sabe que o homem de barba azul é mortal, enquanto a psique ingênua descarta essa sabedoria interior. Esse erro de raciocínio é quase rotineiro numa mulher tão jovem cujos sistemas de alarme ainda não estão totalmente desenvolvidos. Ela é como um filhote de lobo, sem mãe, que rola e brinca na clareira, sem perceber o lince de quase 50 quilos que se aproxima vindo das sombras. No caso de uma mulher mais velha que está tão isolada do aspecto selvagem que mal chega a ouvir os avisos do seu íntimo, ela também segue em frente, com um sorriso ingênuo. Bem que poderíamos nos perguntar se haveria como evitar tudo isso.


Como no mundo animal, a menina aprende a ver o predador através dos ensinamentos da mãe e do pai. Sem a amorosa orientação dos pais, ela certamente será uma presa prematura na vida. Em retrospectiva, quase todas nós, pelo menos uma vez na vida, passamos pela experiência de uma idéia irresistível ou de uma pessoa meio deslumbrante entrando pela nossa janela no meio da noite para nos apanhar de surpresa. Mesmo que estejam usando máscaras de esquiar, que tragam uma faca entre os dentes e um saco de dinheiro jogado sobre os ombros, nós ainda assim acreditamos quando eles nos dizem que trabalham no ramo bancário. Contudo, mesmo com uma criação criteriosa por parte dos pais, a jovem pode, especialmente a partir dos doze anos de idade, ser seduzida de modo a se afastar das suas verdades por grupos de colegas, forças culturais ou pressões psíquicas, começando assim a assumir riscos com bastante imprudência no esforço de descobrir as coisas por si mesma. Ao trabalhar com adolescentes mais velhos que vivem convencidas de que o mundo é bom se ao menos elas conseguirem lidar com ele corretamente, sempre me sinto como um velho cão grisalho.

Tenho vontade de pôr as patas diante dos olhos e gemer, porque vejo o que elas não vêem e sei, especialmente se elas forem determinadas e exuberantes, que elas vão insistir em se envolver com o predador pelo menos uma vez antes que sejam despertadas com um choque.
No início das nossas vidas, nosso ponto de vista feminino é muito ingênuo, o que quer dizer que nossa compreensão emocional do que está oculto é muito tênue. No entanto, é assim que todas nós começamos. Somos ingênuas e nos convencemos a entrar em situações muito confusas. Não ser iniciada nos detalhes dessas questões significa estar num estágio da nossa vida em que somos propensas a perceber apenas o que está às claras. Entre os lobos, quando a mãe deixa os filhotes para ir caçar, os pequenos tentam acompanhá-la para fora da toca, pela trilha abaixo. A mãe rosna para eles, investe contra eles e apavora os filhotes até que eles voltem atabalhoadamente para dentro da toca. A mãe sabe que os filhotes ainda não têm condição de pesar e avaliar outras criaturas. Eles não sabem quem é um predador e quem não é. Com o tempo, ela irá ensiná-los, com rigidez e eficácia.
(...)
MULHERES QUE CORREM COM LOBOS
clarissa pinkola estes

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