O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

terça-feira, abril 12, 2016

il y a des choses qu'il ne faut pas vouloir.



A Mentira é recriação de uma verdade. O mentidor cria ou recria. Ou recreia. A fronteira entre estas duas palavras é ténue e delicada. Mas as fronteiras entre as palavras são todas ténues e delicadas.
Entre a recriação e o recreio assenta todo o jogo. Resulte seja o que for ou do que for.
A ambiguidade é a Arte do Suspenso. Tudo o que está suspenso suspende ou equilibra. Ou instabiliza. Mas tudo é instável ou está suspenso.
Pelo menos ainda.
Ainda é uma questão de tempo. Tudo depende da noção de tempo ou duração ou extensão. A aceleração do tempo pode traduzir-se pela imobilidade pois que a imobilidade pode traduzir-se por um máximo de aceleração ou um mínimo de extensão: aceleração tão grande que já não se veja o movimento ou o espaço ou a duração.
Tudo está sempre a destruir tudo. Ou qualquer coisa. Ou alguém. Mas estamos sempre a destruir tudo ou qualquer coisa. Ou alguém.
Os construtores demolem. No lugar onde estava o sopro, pormos pedras ou palavras: sinónimos de construção. Ou destruição. Ou acção.
O Mestre é um homem que aparece. Está-se sempre a rir e ri de tudo, mas diz: há coisas que a gente não deve querer. Em francês soava melhor: il y a des choses qu'il ne faut pas vouloir. No entanto o Mestre não é francês, aliás não é natural de lado nenhum ou talvez se pudesse dizer que não tem naturalidade nenhuma.
O Mestre é uma personagem porque é uma pessoa e na origem da pessoa está a máscara. Além disso o Mestre usa máscara, tem máscara, é mascara. Um dos aspectos da sua máscara (ou da sua pessoa) é ser Mestre - usa a máscara de Mestre. Não se sabe bem o que ele ensina, todavia é certo que se pode aprender muito com ele porque, embora fale pouco, ri muito. Ou faz-nos rir muito.
O riso resulta trágico ou do trágico.
Porém a Discípula não gostava de rir nem tão pouco de chorar e é por isso que andava à procura da Alegria, já que essa devia excluir o riso e o choro. Tornar-se Discípula de um Mestre era ter a esperança de com ele aprender a arte da Alegria, porque se ele fosse um mestre além de Sábio devia ser Sofo.
O Mestre é para ensinar o que a gente não sabe. Ou não sabe ainda. É por isso que a Discípula tem de procurá-lo até à exaustão ou à loucura.
Foi por esse motivo que, quando um dia a Discípula leu no jornal um anúncio em que se dizia que um verdadeiro Mestre tinha descido à cidade, correu a inscrever-se no curso dele, esperando com a maior ansiedade o início das aulas. Chegado esse dia a Discípula não compreendeu logo o que é que esse Mestre, porque ele era muito desdobrado e ria muito, mas com o decorrer do tempo verificou que o seu Aparecer é que era o seu Ensinamento.
Então a Discípula, pensando que essa era a maneira de atingir a Alegria, foi buscar o seu Andrógino Potencial e desdobrou-o em três partes para assim poder vir a secundar condignamente o Mestre que, embora Andrógino Potencial e Efectivo, só tinha duas partes verdadeiramente activas.
Entretanto a Discípula habituou-se de tal modo a ser três em um que não conseguiu mais voltar a ser um em três; e verificou que em vez de atingir a Alegria cada vez mais se afastava dela, pois que, desde o dia em que conhecera o Mestre, passara também a rir-se muito. (...)

Ana Hatherly - O Mestre

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