O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

quinta-feira, dezembro 29, 2016

A maçã da árvore do Conhecimento





Morangos na Casa Grande.

Numa grande taça de vidro, polvilhados com açúcar, oferecido a quem estava ali a despedir-se da casa grande.
O que era a casa grande?
O que eram esses morangos, de um último adeus?
E o que éramos nós, a ir embora, mas comendo morangos, antes de partir?
Em algumas tradições os morangos são o alimento dos índios, no Verão, e figuram por isso uma boa Estação.
No culto dos mortos de uma determinada região dos índios de Ontário diz-se que a alma de um defunto permanece consciente enquanto se encaminha para o país dos mortos, até que chega a um morango enorme. Se o defunto tocar nesse fruto esquecerá o mundo dos vivos e nunca mais voltará à terra. Se não tocar nesse fruto poderá regressar à terra onde viveu.


No dicionário dos símbolos de Jean Chevalier/Alain Gheerbrant  faz-se uma aproximação deste mito ao descrito no hino homérico dedicado a Deméter, cuja filha,  Persephone foi condenada aos infernos por ter comido um bago de romã. Os mortos não devem comer os frutos dos vivos, conclui-se na entrada deste dicionário.
Mas a mim fica-me uma interrogação: pois são os vivos que ao comerem são castigados com o que se pode chamar de inferno:
Adão e Eva, comendo o fruto proibido ( a maçã da árvore do Conhecimento) são expulsos do Éden, e a terra será a sua forma de inferno.
Quanto aos mitos dos índios:
o morango é o alimento da boa estação, e afinal só a quem já morreu estaria oferecido esse alimento. Poderia, ou teria mesmo, de ir ao seu encontro e provar dele para obter a vida eterna no céu.
Num como noutro caso, o mito pagão, o mito judaico-cristão- ambos apontam uma mudança de estado, uma transformação, envolvendo vida e morte ou morte e ressurreição.
Recordo aqui os Morangos Silvestres de Ingmar Bergman, o filme genial em que vida e morte (podemos estar mortos ainda em vida) se cruzam com intensidade quase feroz de tão colorida.
Mas o que dizer da Casa Grande, de que se vai sair, e de uma última despedida já feita na cozinha, onde os morangos serão oferecidos?
Para Gaston Bachelard a casa representa o ser interior, com as caves, os andares e os sótãos figurando os diversos estados de alma. Sendo a cave o inconsciente e o sótão a elevação espiritual.
A casa é ainda uma figuração do Feminino, refúgio, protecção, um corpo maternal.
Para este nosso caso é mais interessante a interpretação alquímica, lendo a casa como o todo do ser, mas em especial a cozinha, onde se dá a última despedida e a oferta da taça de morangos, como o lugar das transmutações, das transformações psíquicas - um momento de evolução interior.

(...)


(Lisboa, 30 de Setembro, 2015)
in SIMBOLOGIA E ALQUIMIA - Yvette K. Centeno

(Imagem do filme Morangos silvestres)


Sem comentários: