O SORRISO DE PANDORA

“Jamais reconheci e nem reconhecerei a autoridade de nenhuma pretensa divindade, de alguma autoridade robotizada, demoníaca ou evolutiva que me afronte com alguma acusação de pecadora, herege, traidora ou o que seja. Não há um só, dentre todos os viventes, a quem eu considere mais do que a mim mesma. Contudo nada existe em mim que me permita sentir-me melhor do que qualquer outro vivente. Respeito todos, mas a ninguém me submeto. Rendo-me à beleza de um simples torrão de terra, à de uma gotícula de água, à de uma flor, à de um sorriso de qualquer face, mas não me rendo a qualquer autoridade instituída pela estupidez evolutiva da hora. Enfim, nada imponho sobre os ombros alheios, mas nada permito que me seja imposto de bom grado Libertei-me do peso desses conceitos equivocados e assumi-me como agente do processo de me dignificar a mim mesma, como também a vida que me é dispensada. Procuro homenageá-la com as minhas posturas e atitudes e nada mais almejo. É tudo o que posso dizer aqueles a quem considero meus filhos e filhas da Terra. “ In O SORRISO DE PANDORA, Jan Val Ellam

sábado, junho 03, 2017

A MORTE DA MÃE


Os Seres Humanos

"Eram então necessárias novas leis para impedir o que se poderia chamar uma demasiada integração dos machos. Porque estes, assim agarrados a suas mães, suas irmãs, fragmentavam o grupo. Por outro lado, concentrada a vida nesses ternos e prazenteiros subgrupos, o trabalho produtivo das mulheres, numa humanidade de crescente consciência, torna-se invisível, diluído em mitos: a produção daquelas parecia continua e sem direito a descanso. A deusa inicial criadora talvez fosse omnipotente, mas as mulheres não. "*


O Segundo Mito da Mãe

Na segunda noite a Mãe concebeu o filho.

Risos e lágrimas tinham-se passado, até ai, sempre entre mães e filhas.

- Criarei um ser diferente - disse a Mãe.

Mas para criar um ser diferente a Mãe precisava de renovar suas magias.

Na escura noite segunda, a Mãe inventou o seu enigma. Ocultara sua face, para que suas filhas não desvendassem seu segredo, não roubassem seu poder antes de este ter sido exercido.

A sua força estendeu-se, como um braço escuro na noite escura.

Á terra, ao pó, aos subterraneos insondados, seu braço desceu, como uma serpente.

Debruçadas na borda do poço suas filhas gritaram:

- Esse ser que inventas sentir-se-á eternamente carente por não ser igual a ti.

A Mãe, que continuava descendo, sorriu: ela sabia quanto a igualdade absoluta pode enjoar, sabia como as lágrimas de suas filhas nasciam do sentimento se terem suas vidas tão predestinadas como a de sua Mãe.

Sua mão tocou no fundo do abismo, seus dedos, suas garras cravaram-se nessa primeira, nessa ultima parede, de vida já criada, na fronteira com o exterior espaço morto, vazio.

A Mãe ppuxou o fundo do abismo e virou-o do avesso:

Assim se deveria erguer a forma do filho.

No ultimo instante, sua mão ficou presa.

No ultimo instante, faltaram-lhe as forças para cortar com os dentes, o cordão umbilical.

No ultimo instante, o filho ficou preso por um pé e não conseguia soltar-se daquela vagina imensa.

A Mãe gritou.

De todos os pontos da noite escura as filhas responderam: fácil lhes era localizar a dor da Mãe pelo som da sua voz. Ofereceram sua ajuda.

- Desviem vossos olhos, fechem vossos ouvidos. Que momentaneamente a minha dor fica sem história. Não precio da vossa ajuda.

As filhas retiraram-se para, entre si, conjurarem.

A Mãe reuniu todas as suas imensas forças e soergueu-se.

Aparentemente, retomou o lugar entre suas filhas, sua face imutável.

Mas o braço escuro que se alongara na noite escura, oculto, levantando a forma do filho, preso: o psrto ficou inacabado, e a Mãe perdia seu sangue.

A Mãe levava consigo uma ferida, oculta nas suas várias volutas, quando, voltanto á superficie, apresentou o filho a todas as filhas.

As filhas sorriram enigmaticamente: tinham descoberto o segredo da Mãe.

No ultimo instante, a Mãe ficou presa nas suas próprias magias.

Foram as filhas que a prenderam: com lamentos, com ciumes.

A Mãe reuniu todas as suas imensas forças e soergueu-se.

Aparentemente, retomou o lugar entre suas filhas, levantando a forma do filho.

- Ninguém lhe tocará - disse a Mãe.

E Jocasta concebeu seu amor por Édipo, recusando-se a matá-lo quando assim lhe foi ordenado; apenas o abandonou, por intermédio de um velho criado.

- voltarás mais tarde, filho amado, eu sei - disse ela.

As filhas sorriram enigmaticamente: tinham descoberto o segredo da Mãe.

- Mas o tempo voltar-se-á contra ti - disseram elas.

A Mae gritou. Reuniu todas as suas imensas forças, e soergue-se, mas levava consigo uma ferida.

- Que amante esperas, assim tão enfeitada? - riem as filhas.

O filho ficou preso até hoje.

O peito da Mãe tornou-se magro. Em vão ela esperou: viu sua velhice, sua morte chegar antes que o filho atingisse a maturidade, o esplendor esperado.

As filhas disseram:

- Pretendes amá-lo, mas apenas farás a sua destruição. Desesperada a Mãe lançou-se num fogo eterno.

Édipa riu: tomou seu irmão mais novo nos braços e levou-o consigo.

In "A Morte da Mãe", Maria Isabel Barreno
(*in A Morte da Mãe, de Maria Isabel Barreno)

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